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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Ukaleq, a Raposa da Neve.

_ Ukaleq! 'Raposa da neve.'. Foi o nome que o Xamã usou quando veio até aqui chamar por você, Akhiles. Você é mais índio do que qualquer outra coisa, suas notas na escola são sofríveis, incomparáveis com as de Lillien. Não me incomoda vê-lo com os Inuktitut, mas precisa se lembrar de que não é um deles, Akhiles, é o meu filho, membro de uma família muito especial e que um dia você estará no meu lugar, sendo o líder do nosso povo. – meu pai, Lorde Killermoon, falava comigo enquanto fumava seu cachimbo atrás da grande mesa de mogno do seu escritório. Eu tinha apenas doze anos, fitava-o, mantinha minha cabeça curvada em sinal de respeito e sentia o cheiro almiscarado do fumo.

Depois de respirar fundo, tomando coragem, ergui a cabeça e encarei meu pai.

_ Quero fazer o rito de passagem. – murmurei.

_ Não posso permitir, meu filho, é perigoso e talvez seja apenas uma tolice indígena, muito importante para os jovens Inuktitut, mas eu já lhe disse, você não é um deles, então não tem que passar por ritos nenhum. Fora de questão, Akhiles. – parou de falar ao mesmo tempo em que terminara de fumar o cachimbo, o que significava o fim da discussão.

Eu me virei e sai do escritório. Encontrei Lillien no corredor, ela estava vestida com o uniforme da escola e me olhava com um semblante de profunda irritação.

_ Você ainda não se arrumou? Eu vou chegar atrasada por sua causa, Akhiles, e de novo, aliás, todo dia chego atrasada por sua causa. – ela esbravejou.

_ Desculpe. – respondi, sem a menor vontade de discutir, passei por ela e fui para o meu quarto, ainda ouvi-a chamar meu nome, certamente ficara surpresa com o fato de eu não retrucar.

No quarto, vesti o maldito uniforme apressadamente. Eu odiava a escola, odiava os professores, os outros alunos, sentia-me num mundo alienígena do qual eu não fazia parte. Quando eu estava pronto para descer minha atenção foi atraída por algo lá fora que pude ver pela janela. O Xamã dos Inuktitut estava lá embaixo, usando os trajes adequados para o rito de passagem, ele ergueu seu cajado, aquilo era um chamado, aquilo era um sacerdote Inuktitut chamando um iniciado. Senti vontade de pular pela janela e correr com ele pela neve, mas não podia fazer isso, eu não sou índio, sou um Killermoon.

Eu apenas balancei a cabeça numa negativa, o xamã entendeu e abaixou seu cajado, mas permaneceu lá de pé, encarando-me com uma expressão de quem entendia.

Deixei o quarto e encontrei Lillien na sala, batendo os pés contra o piso do chão, visivelmente irritada. Meu pai surgiu em seguida, com o casaco de peles na mão e as chaves do carro. Eu fui atrás, seguindo-os em silêncio.

_ Tá tudo bem? – perguntou Lillien.

_ Uhum.– respondi.

Ela não se contentou com a aquilo e ficou me encarando.

No carro, meu pai assumiu a direção e eu Lillien fomos sentados na frente da caminhonete, junto dele.

_ Porque Akhiles não pode fazer logo esse rito indígena, pai? – Lillien perguntou, sua ousadia me surpreendeu, fiquei confuso entre dizer que ela não devia se meter nos meus assuntos ou se a admirava ainda mais por isso.

_ Seu irmão já sabe porquê, Lillien, é perigoso e ele não é um índio para ter que fazer isso.

Mas Lillien não se contentou.

_ Acho que ele devia ir se é isso o que quer.

Meu pai parou o carro, virou-se e encarou nos dois.

_ Vocês são muito jovens ainda para entenderem certas coisas. O futuro reserva algo muito especial aos dois, muito mais do que ritos indígenas e a escola, mas no momento é importante que vocês sejam preparados para isso. E, no mais, são meus filhos, eu os amo, e vou sempre evitar que corram riscos desnecessários, como por exemplo este que Akhiles deseja. – ele falou da forma mais amável possível.

Lillien virou-se para mim e perguntou com uma simplicidade quase extraordinária.

_ Você que ir?

_ Sim.

Ela se virou agora na direção de nosso pai.

_ Deixe ele ir, pai. É o que ele quer fazer e você sempre nos disse que devemos também seguir o nosso coração. Deixe-o ir, por favor. – suplicou. Meu pai a encarava, em seguida olhou para mim, depois para a estrada a frente e abriu um sorriso.

_ Boa sorte, meu filho. – ele disse.

_ Some daqui!. - falou Lillien, com um sorriso lindo nos lábios.

Eu a segurei pelos ombros, puxando-a para mim, beijei-a nos lábios e depois a abracei, mantendo-a ali entre meus braços por um tempo.

E então soltei do carro e corri, corri como uma raposa na neve.



O urso simboliza o que de mais forte existe na natureza, portanto, ele guarda em si o espirito da terra. O rito de passagem dos Inuktitut não é uma caça a um animal, mas um desafio, é colocar-se diante do espirito da terra, sob o seu julgo, e ela decide se aceita o seu desafio ou não.

Eu estava vestido apenas com um casaco de peles, minha respiração era tão visível quanto as brumas no alto das colinas. O urso tentava pegar peixes por um buraco no lago de congelado. Eu o vi e fiz como o Xamã havia me ensinado, entoei a canção na língua dos Inuktitut. A canção era um convite ao urso, eu dizia com ela que estava diante dele com respeito e suplicava aos deuses que me dessem a oportunidade de mostrar o meu valor. A lança em minhas mãos era mais comprida do que eu.

O animal me ouviu, parou sua caça aos peixes e seus olhos encontraram com os meus. Ele estava me avaliando, parecia considerar meu pedido, continuei cantando, segurando a lança com firmeza. O urso ficou de pé apenas se apoiando em suas patas traseiras, ele soltou um rugido alto e apavorante. O desafio foi aceito. Os índios Inuktitut ao meu redor, incluindo o Xamã, disseram meu nome tribal em uníssono. “ Ukaleq”.

O urso correu em minha direção e eu corri para ele.

No meio da corrida eu parei, finquei a lança no chão, deixado a parte metálica e pontiaguda virada para o alto. Kodiak, o urso, ainda vinha correndo em minha direção. Quando ele ficou diante de mim, seu hálito quente com cheiro de peixe em minha face, curvei-me, agachando até que meus joelhos tocassem a neve. Ele abriu os braços, ia me esmagar quando os fechasse e sua boca com os dentes mais afiados que já vi na vida, teriam se fechado sob a minha cabeça. Eu direcionei a lança e gritei como um Inuktitut.

Terminara. A lança perfurou o peito de Kodiak, trespassando seu coração e corpo, usando seu próprio peso para ter força. O sangue do urso banhou meu rosto, seu corpo caiu pesadamente por cima de mim, teria me esmagado se os Inuktitut não estivessem lá para segurá-lo a tempo.

O ritual não estava terminado, eu agora teria que enterrar o urso morto, mas antes disso o Xamã veio até a mim, tocou no sangue do urso e o espalhou pelo meu rosto, traçando linhas que eu não podia ver.

"Kodiak, o urso escolheu você, Ukaleq, raposa da neve. Kodiak agora vive aqui.", o Xamã tocou meu peito, no exato local onde fica meu coração. "Ukaleq e Kodiak agora são um só."